Meditações
A patotização do cristianismo
Nos últimos anos, tenho recebido convites de diferentes igrejas para pregar, em especial, sobre os temas dos livros que escrevi e que são voltados para todo e qualquer cristão, a despeito de rótulos denominacionais ou doutrinários. Assim, tenho a oportunidade de visitar, conviver, observar e conversar com líderes e membros de muitas igrejas de diferentes nomenclaturas, como Batista, Presbiteriana, Anglicana, Assembleia de Deus, Nova Vida, pentecostais independentes, históricas independentes, Metodista e Episcopal, além de ministérios interdenominacionais. Essas experiências me permitiram conhecer de perto realidades eclesiásticas riquíssimas e diferentes. E, quanto mais eu conheço a família de Cristo, mais me entristece ver aquilo que passei a chamar de “patotização” do cristianismo.
Confesso que conhecer de perto essa pluralidade de expressões da fé cristã me encanta. É bonito ver como somos capazes de adorar o nosso Pai tanto com um conjunto vocal à capela e um órgão quanto com bateria e guitarras distorcidas. É lindo ver como pregadores de terno e gravata, colarinho clerical, blaser, camisa social ou camisa pólo são capazes de pregar, com o mesmo amor e respeito, o evangelho autêntico, a despeito do tipo de pano que usam sobre o corpo. É extraordinário perceber como grupos de irmãos mais silenciosos ou mais extrovertidos são capazes de cultuar a Deus com a mesma sinceridade de coração. É especial notar como cristãos salvos da linha pentecostal ou cristãos salvos da linha tradicional são filhos do mesmo Deus e são capazes de se relacionar com ele com o mesmo nível de amor e devoção. Em resumo, quanto mais eu conheço igrejas diferentes, mais claro fica que as nossas diferenças são pequenas em comparação às nossas semelhanças.
Tenho aprendido a amar cada vez mais a noiva de Cristo, apresente-se ela morena, ruiva ou loira. Venho percebendo cada vez mais a beleza da noiva do Cordeiro, não importa se, como presbiteriana, ela tenha olhos azuis; como pentecostal, olhos verdes; como batista, olhos castanhos; e como anglicana, olhos negros. Esses detalhes não mudam o fato de quem ela é: aquela por quem Cristo subiu à cruz. E, se Deus a chamou para si, ai de mim desqualificá-la pela cor dos olhos.
Quando você ama alguém, não importa se ela está de maquiagem ou com cara de quem acabou de acordar. Muito menos, com roupas caras ou baratas. O amor verdadeiro cuida do ser amado mesmo quando ele está doente, vomitando e com mau hálito. O amor profundo releva pequenos defeitos ou atitudes ligeiramente equivocadas que o ser amado adota com sinceridade. Se você ama de fato alguém, vai botar o foco na essência, no todo que conquistou seu amor e não naqueles pequenos defeitos que o ser imperfeito que você ama tem (e quem não os tem, não é mesmo?). Do mesmo modo, seria bizarro acreditar que Deus rejeite essa ou aquela igreja ou denominação porque ela de bom coração cometa um ou outro erro – desde que, claro, não configure heresia.
Infelizmente, o ser humano tem mania de rejeitar o que Deus não rejeita. Some-se a isso o nosso instinto gregário, que nos leva a querer andar em bandos e pertencer a tribos com que nos identificamos, e pronto: tem início a patotização. É natural ao ser humano e a inúmeras espécies de animais formar patotas. O termo “patota” significa, simplesmente, “grupo de amigos”, “galera”. Porém, no uso popular, essa palavra já ganhou um sentido que remete a uma panelinha, um grupinho fechado, uma turma de pessoas que se relacionam por afinidades e rejeitam os que são de fora. Isso é exatamente como se caracterizam determinados grupos de cristãos. Há pessoas que se agarram tanto às patotas a que pertencem que, tristemente, se fanatizam, se apaixonam, recusam-se a ver os defeitos desse grupo, passam a se considerar mais integrantes dessa turma que aos seus olhos é inerrante do que membros de um corpo maior – do Corpo maior. De certo modo, praticam a “patotalatria”.
Meu irmão, minha irmã, ser batista, presbiteriano, metodista, calvinista ou pentecostal não te define: você é cristão. A superfície do mar não define todo o oceano. Nenhuma denominação é perfeita. Nenhuma igreja local é irretocável. Nenhum pastor é inerrante. Nenhuma linha soteriológica merece se tornar sua alcunha. Se você é mais maranata, presbiteriano ou Assembleia de Deus do que cristão como todos os outros cristãos, algo está muito errado com a sua fé. Se você é mais calvinista ou arminiano do que cristão, precisa com urgência voltar às bases da fé e reaprender o significado de Igreja. Muitos filhos de Deus se agarram mais à sua patota denominacional ou doutrinária do que ao Corpo maior para o qual Cristo os chamou. Acham que mudar a visão teológica de seus irmãos em Cristo para aquilo em que eles acreditam é a sua missão, em vez de se dedicar a assuntos realmente importantes do evangelho – como evangelização, amor, perdão, restauração, pacificação, caridade e outros. Querem mudar a teologia alheia, mas sem levar em conta a graça no trato com o próximo. Acabam se tornando pregadores de doutrinas e não do evangelho. Apaixonados, muitos se tornam agressivos, sarcásticos, arrogantes, irritantes, surdos ao diferente, despidos de bom senso, destituídos de amor cristão. Querem convencer, querem ter razão, querem converter irmãos do cristianismo para o cristianismo.
Uma fruta não se define pela casca. Cascas fazem parte da fruta, mas não são a fruta. Lamentavelmente, muitos cristãos têm se definido por cascas. “Eu sou reformado”, “Eu sou da missão integral”, “Eu sou pentecostal”, “Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo”. Paremos com isso. Paremos com essa atitude separatista e busquemos a conciliação pelas semelhanças. Nós somos cristãos. Somos de Cristo. Servos do Deus altíssimo. Filhos do Criador de céus e terra. Cidadãos do reino. Isso, sim, nos caracteriza. O resto são aspectos periféricos da fé e não devemos nos separar e fragmentar por causa de diferenças secundárias ou terciárias.
Tenho visto a noiva do Cordeiro nas diferentes igrejas em que prego, das mais variadas linhas e denominações. Pessoas que amam o mesmo Cristo que eu e que amam o próximo como a si mesmo com o mesmo amor. Uns batizam crianças, outros não; uns são cessacionistas, outros não, uns entendem a eleição divina de um jeito, outras de outro. Mas todas creem no mesmo Jesus, confessam o credo apostólico, oram ao mesmo Senhor Soberano, nasceram da água e do Espírito. São meus irmãos em Cristo. São filhos de Deus. São salvos. Justificados, regenerados, adotados. Vão morar no céu. Meu papel não é dedicar minha vida a mudar a teologia deles, é viver o amor de Deus ao lado deles – apesar das diferenças. Triste é quem não percebe isso e investe seus dias a perder tempo combatendo irmãos que pensam diferente em aspectos secundários e periféricos da fé, o que não glorifica Deus em nada e tampouco exalta sua soberania. Deus não precisa de nada disso para ser soberano. Ele é o que é.
A Bíblia relata que Jesus fez ao Pai uma oração que nunca foi atendida: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.20-23). Jesus pediu que nós, cristãos (“aqueles que vierem a crer em mim”), vivêssemos em unidade, “a fim de que todos sejam um” e “para que sejam um”. Lamentavelmente, nós, cristãos, estamos longe disso, a unidade que Jesus desejou para nós é um sonho distante, enquanto, por outro lado, proliferam em nosso meio as obras da carne sobre as quais Paulo alertou, “discórdias, dissensões, facções” (Gl 5.20).
Meu irmão, minha irmã, como disse Mário Sergio Cortella, a vida é curta demais para ser pequena. Não desperdice seus preciosos segundos de vida com aquilo que não é pão. Sinceramente, duvido muito que Deus esteja preocupado se você é calvinista ou arminiano, pentecostal ou cessacionista, alto ou baixo, magro ou gordo. Duvido que, ao chegar nos portões da eternidade, Cristo olhará para você e perguntará que doutrina soteriológica você professou em vida: o que ele verá é se o sangue do Cordeiro está aspergido sobre a sua cabeça. Se a sombra da Cruz cobre você. E não creio que ele dirá algo como “vinde, benditos de meu Pai, porque fostes reformados ou arminianos, crestes no livre-arbítrio ou no TULIP, professastes o pentecostalismo ou o cessacionismo”. O que ele dirá, e disso tenho absoluta certeza, é: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me” (Mt 25.34-36).
Os temas e as doutrinas que criam esses rótulos são importantes? Claro que sim. São prioritários? De modo algum. Quem segrega irmãos em Cristo por conta desses aspectos secundários da fé precisa amadurecer – e muito – no real sentido do que é o evangelho de Jesus. Dê prioridade ao que é prioritário. Enfatize na sua vida o que Jesus enfatizou na dele. E pode ter certeza de que essas questões não foram nem de longe prioridade para Cristo (basta ler os evangelhos e você perceberá isso com uma facilidade enorme). O resto? O resto é resto. É vaidade e correr atrás do vento…
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari