Meditações
Labaxúrias, igreja sorveteriana e outras tristes posturas
A perdição da igreja. Criando contenda entre os próprios irmãos em cristo por conta de doutrinas e diferentes denominações.
Os fariseus e os mestres da lei da época de Jesus tinham absoluta certeza de que estavam certos sobre o que criam. Estudiosos dedicados, acreditavam piamente que estavam defendendo a “sã doutrina”. O fariseu Paulo perseguia, atacava, prendia e matava os filhos de Deus em defesa da “sã doutrina” e por amor ao que cria ser a vontade do Senhor, a fim de silenciar os “hereges” e “inimigos da fé”. A Bíblia nos mostra, porém, que, na verdade, aquele teólogo zeloso e dedicado estava errado. Em sua certeza incerta, ele desagradava a Deus e teve de ouvir de Cristo a terrível pergunta: “Por que me persegues?”. Não pense que você não pode estar cometendo o mesmo erro que Paulo.
Lembro de um dia em que tive de parar a aula no seminário teológico em que eu lecionava porque uma aluna pentecostal se referiu à igreja presbiteriana como “sorveteriana”, querendo dizer que era espiritualmente fria. Decidi interromper a lição para conversar com a turma sobre o mal que esse tipo de pensamento representa para o Corpo de Cristo. De lá para cá, infelizmente, esse tipo de atitude absurda permanece um hábito entre nós, cristãos. Pior: tem proliferado. Canso de ver membros de igrejas cessacionistas fazendo piadas infelizes com os pentecostais, por exemplo, por causa dos “labaxúrias” (como alguns se referem, de modo jocoso, à crença na atualidade do dom de variedade de línguas), e de ver pentecostais atacando quem não crê no que creem, com igual falta de amor fraterno.
É triste ver tanta divisão no Corpo por causa de doutrinas secundárias e aspectos menos importantes da fé. É lamentável ver, por exemplo, tanta gente deixar completamente de lado o fruto do Espírito para entrar em discussões e tretas sobre os dons do Espírito. Amor, paz, paciência, amabilidade, bondade, mansidão, domínio próprio… para quê? O importante é fazer chacota de quem creio estar errado, não é isso? Em nome da “sã doutrina”, nos canibalizamos, nos machucamos, nos ofendemos. Em nosso exército, a infantaria ataca a artilharia, que ataca a cavalaria, que ataca a infantaria, que… Todos seguindo o mesmo general, mas se perdendo numa arrogante fraternofagia teológica. E assim caminhamos, investindo tempo, saliva, energia e esforços em atacar a nós mesmos.
Você poderia dizer: “Ah, Zágari, essa discussão é antiga, para que voltar a isso?”. Minha resposta seria: enquanto o problema persistir, devemos perseverar na pregação do evangelho que não segrega irmãos devido à cor de sua pele teológica. No dia em que o problema acabar, paramos de denunciar o problema e de chamar os que cometem esse pecado ao arrependimento.
Quem tem esse hábito deplorável de atacar irmãos em Cristo que cultuam ou creem de modo diferente de si em aspectos periféricos da fé incorre em um grave perigo: mandar para o inferno dos hereges quem Deus não mandou. Quem sou eu para afirmar que fulano é salvo mas beltrano não é se confessa Cristo como Salvador, concorda com todo o credo apostólico, mas erra em um ou outro ponto secundário da fé? Seria eu petulante e arrogante a esse ponto? Será que os arraigados defensores da “sã doutrina” são capazes de afirmar que não cometem absolutamente nenhum erro em suas crenças? Seriam inerrantes? Porém, se tropeçam em um só ponto da lei, não estariam no mesmo barco que quem tropeça em outro ponto?
Sim, é possível que a pessoa que você ataca esteja errada! Muitos sem dúvida estão errados em questões secundárias da fé. Agora… tenho eu o direito de desqualificar a obra da graça na vida de alguém só porque ele não adora a Deus e o cultua do jeito que eu entendo ser certo? Não, eu não tenho coragem de dizer “Deus não fez isto” ou “Deus não tolera isso” quando pode ser que Deus tenha feito e que tolere. Não confio tanto em mim a esse ponto.
Assisti na Internet à pregação de um pastor em que ele dizia que uma pessoa realmente salva por Deus acabaria migrando para uma igreja que seguia a linha teológica em que ele cria. Fiquei chocado, pois, em outras palavras, ele estava dizendo que nenhum ser humano que não seguia a sua linha denominacional era salvo. Logo, atribuía ao diabo aquilo que Deus fez. Afirmou, nas entrelinhas, que o sangue de Cristo não foi derramado por milhares por quem ele de fato derramou. Fico pensando como Deus vê isso…
Recebi um texto em que o autor dizia que os pentecostais são “blasfemadores do Espírito Santo”. Quase chorei ao ler isso, pois essa pessoa cria que milhões de indivíduos por quem Deus morreu na cruz na verdade vão para o inferno – simplesmente porque creem na atualidade dos dons, algo que não é nem de longe um ponto central da fé. Talvez essa pessoa não perceba, mas, ao fazer isso, anulou a obra da graça na vida de absolutamente todos os cristãos pentecostais (detalhe: eu disse cristãos). Ao acusar unanimemente os pentecostais de blasfemadores, ela mandou milhões de eleitos do Senhor para o inferno – sem direito a perdão. O mesmo vale para os pentecostais que criticam o que chamam de “frieza espiritual” dos membros de igrejas históricas e litúrgicas – onde há tanta devoção sincera a Deus e tantos corações profundamente derramados ao Senhor! Afinal, diametralmente, não crer na atualidade dos dons não faz de ninguém menos cristão.
Enquanto isso, o diabo ri, se divertindo com os cristãos que, em defesa da “sã doutrina”, falam e agem completamente fora da sã doutrina.
Meu irmão, minha irmã, você tem feito piadinhas sobre irmãos de outras denominações ou linhas doutrinárias ou que sejam diferentes de você de algum modo? Os tem desqualificado, atacado, ofendido ou feito comentários que os ridicularizem? Embora você ache que esteja defendendo o evangelho, pode ser que esteja apenas desmerecendo o que Deus não desmerece. Mais ainda: você pode estar atacando a noiva do Senhor.
Minha oração é que tenhamos mais temor e amor e menos arrogância teológica. Crer em uma verdade não nos dá o direito de atacar pessoas, como Paulo fazia em sua defesa errada de uma doutrina não tão sã assim. Queiram ou não, o amor ainda é o cerne do evangelho – inclusive o amor por quem cremos estar errado. Lembra do amor pelos inimigos? Oro que todo aquele que, virulentamente ou sarcasticamente, espanca verbalmente quem pertence a Cristo venha a compreender que não se pode lutar contra o erro… errando. Como me ensinou minha mãe desde criança, “um erro não justifica o outro”.
Precisamos agir em prol do que cremos ser a verdade, sempre. Sempre. Sempre. Defender a verdade não é o problema. Apologética é indispensável. O problema é o modo como fazemos isso – especialmente com outros cristãos que cremos estar errando. Se nos consideramos cristãos, nossas armas têm de ser a paz, a mansidão e o cuidado com aqueles de quem discordamos. Afinal, qual é nosso objetivo? Qual é o seu objetivo? Arrebentar com tudo? Mandar quem cremos estar errados para o inferno? Amar a Deus sem amar o próximo, o que a Bíblia afirma ser impossível? Ou conduzir quem erra, com paciência e mansidão, a enxergar seu erro e a abraçar o acerto? Se nossa finalidade é a restauração, devemos focar não em atacar, mas em usar bons argumentos para, com mansidão, abrir os olhos de quem está errado.
Afinal, diz o Senhor, não eu (e recomendo que você leia com muita atenção): “Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade” (2Tm 2.24-26). Você tem todo direito de discordar do que diz a Palavra de Deus e continuar agindo como uma pessoa arrogante em relação àqueles que considera estarem errados. Talvez você receba muitos aplausos quando faz isso – de gente tão errada como você. Mas, se posso dar um conselho em amor, é: cuidado. Pois pode ser que, um dia, você ouça o Senhor lhe perguntar: “Por que me persegues?”.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari