Meditações

Não venha me falar de reforma!

Por Maurício Zágari

Passados 500 anos da Reforma, devemos continuar como Igreja que se reforma continuamente. A começar por nós mesmos, pessoas. Pois de nada adianta reformar ideias e instituições e deixar indivíduos com

Comprei no início deste ano um apartamento novo, a fim de trazer meus pais para morar comigo. Pelo valor que eu podia pagar, só consegui encontrar um apartamento caindo aos pedaços, que teria de passar por uma grande reforma para ser habitável. E assim foi: em janeiro começamos a obra, prevista para acabar em abril. Porém, chegamos ao último dia de outubro e a reforma ainda não terminou. E isso por uma série de razões, todas ligadas ao pecado e à falibilidade humanos. Vou lhe contar um pouco dessa saga.

Mandamos fazer uma escada com um serralheiro. Depois de mais de um mês esperando a dita cuja ficar pronta, o que aquele profissional aprontou foi algo que seria melhor definido como um “troço”. Tivemos de desfazer o negócio e arcar com um grande prejuízo. Depois, o profissional que contratamos para laquear e pintar as portas fez um serviço sofrível e danificou paredes, chão e outras partes do apartamento. Mais tempo perdido. Mais dinheiro jogado fora. E por aí foi: tivemos pintores desqualificados, marceneiros que não cumpriram o que prometeram… e muito mais. O resumo da ópera é que tivemos de lidar com uns profissionais que não cumpriram o que prometeram, outros que maldosamente tomaram atitudes que nos prejudicaram e outros, ainda, que muitas vezes fizeram da reforma algo mais estressante do que feliz. Ainda assim, a reforma era indispensável, apesar de pessoas afetadas pelo pecado terem participado do processo.

Hoje celebramos 500 anos da Reforma Protestante, movimento deflagrado em 1517 pelo monge agostiniano Martinho Lutero, que tinha por objetivo reformar a Igreja Católica Apostólica Romana, instituição que ao longo dos séculos saiu dos trilhos e se distanciou dos princípios da Igreja apostólica. Lutero, junto com outros pensadores, tais como Calvino e Zuínglio, promoveram um trabalho de resgate dos princípios do evangelho de Jesus, com retorno à centralidade de Cristo, ao conceito da salvação somente pela graça e mediante a fé, ao entendimento de que a Escritura é a única e suficiente regra de fé e prática do cristianismo, e à compreensão de que a glória deve ser dada somente a Deus.

Esse movimento não purificou a Igreja Católica, pois seus líderes não o aceitaram, mas levou o papa Leão X a excomungar Lutero. Em outras palavras, Lutero foi expulso. Com isso, surgiu a Igreja reformada, da qual é herdeira hoje uma série de denominações cristãs, que se chamam de “reformadas”, “protestantes” ou “evangélicas” (há divergências sobre o significado exato de cada um desses termos, que não vêm ao caso para os propósitos deste texto). Claro que estou simplificando enormemente o que aconteceu, mas, em resumo, foi isso.

Nos últimos 500 anos, no entanto, muitos homens e mulheres que fazem parte desse ramo da Igreja agiram do mesmo modo que os pintores, pedreiros, laqueadores e serralheiros que participaram da reforma de meu apartamento e mais estragaram e atrapalharam do que ajudaram. A ignorância, a maldade ou a falibilidade humana levaram ao surgimento de crenças e práticas erradas, como teologia da prosperidade, confissão positiva, autoajuda gospel, aceitação da agressividade como forma de posicionamento supostamente cristão, bizarrices neopentecostais, doutrinas antibíblicas de batalha espiritual, canonização de usos e costumes, e outras práticas e teologias equivocadas.

Sob a influência de tais maus descendentes da Reforma, muitos membros dessa igreja oriunda das ações dos reformadores passaram a acreditar em uma espécie de “evangelho” esquisito, como tipos de “cristianismo” que põem o homem no centro, que hipervalorizam o dinheiro, que estabelecem o sucesso pessoal como a medida de bênção de Deus, que fazem parecer que é possível ser grosseiro e cristão ao mesmo tempo e por aí vai.

Assim como o serralheiro que atrapalhou minha reforma, há quem desuna a Igreja de Cristo considerando que só sua denominação é a certa. Assim como os pintores que fizeram trabalhos mal feitos, há quem ensine evangelhos só de bênção e não de arrependimento e contrição. Assim como os pedreiros que deixaram a desejar, há quem creia que o Deus glorificado na Reforma aprova uma apologética bruta e agressiva. Assim como os profissionais que nos decepcionaram em diversos momentos no processo de reforma do apartamento, há aqueles que trazem “segundas revelações” apócrifas ao evangelho resgatado pela Reforma. E assim por diante.

Louvo a Deus pois, hoje, a Igreja de Cristo prossegue adiante, pregando a mensagem da cruz, investindo em missões, discipulando, divulgando as doutrinas da graça, incentivando a santidade, denunciando o pecado, edificando a noiva de Cristo, glorificando a Deus. Porém, passados 500 anos da Reforma, devemos continuar como Igreja que se reforma continuamente. A começar por nós mesmos, pessoas. Pois de nada adianta reformar ideias e instituições e deixar indivíduos como estão. Alguns dos maus profissionais que prejudicaram minha reforma não reconheceram seus erros. Não podemos fazer o mesmo. O melhor meio de você contribuir com a reforma da Igreja de nossos dias é fazendo um mea culpa, reconhecendo seus erros, mudando seu modo de agir, voltando às boas práticas.

Você acha que seguir reformando a Igreja é apenas combater o erro dos outros? Não é. O que de melhor você pode fazer pela Igreja é parar de olhar para o lado e consertar os seus erros; arrepender-se das suas falhas; confessar os seus pecados; e abandonar a arrogância doutrinária, a agressividade apologética, a soberba denominacional, a vaidade teológica, o sectarismo espiritual. Mude-se. É um bom começo. Às vezes, as suas intenções são ótimas, mas a sua pintura está péssima, a escada que você está construindo está torta, o cano que você instalou está vazando. O que você precisa fazer? Antes de querer reformar algo, sua urgência maior é reformar a si mesmo.

Como eu posso defender isso? Com base na minha própria experiência de reforma de mim mesmo. Na época em que eu dedicava meu tempo, minhas energias e minha saliva para ficar metendo o malho nos outros em vez de promover as belas virtudes do evangelho, praticamente não consegui promover mudança alguma em ninguém. Só gerei ódio. Eu era só um brigalhão esbravejando pela Internet. Mas, no dia em que decidi mudar a mim mesmo, procurando aproximar-me mais do caráter e do temperamento do manso Cordeiro, vi e colhi muitos frutos, que ecoaram na vida de muitas pessoas. E isso tendo por base bíblica passagens como: “Não imitem o comportamento e os costumes deste mundo, mas deixem que Deus os transforme por meio de uma mudança em seu modo de pensar, a fim de que experimentem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus para vocês” (Rm 12.2, NVT), “E não pequem ao permitir que a ira os controle. Acalmem a ira antes que o sol se ponha, pois ela cria oportunidades para o diabo” (Ef 4.26-27, NVT), “Da mesma forma, suas boas obras devem brilhar, para que todos as vejam e louvem seu Pai, que está no céu” (Mt 5.16, NVT), “Se amarem apenas aqueles que os amam, que recompensa receberão? Até os cobradores de impostos fazem o mesmo. Se cumprimentarem apenas seus amigos, que estarão fazendo de mais? Até os gentios fazem isso” (Mt 5.46-47, NVT), e “Eu, porém, lhes digo que basta irar-se contra alguém para estar sujeito a julgamento. Quem xingar alguém de estúpido, corre o risco de ser levado ao tribunal. Quem chamar alguém de louco, corre o risco de ir para o inferno de fogo” (Mt 5.22, NVT).

Parabéns a todos os filhos da Reforma Protestante: presbiterianos, batistas, metodistas, pentecostais, continuístas, cessacionistas, calvinistas, arminianos, credobatistas, pedobatistas… enfim, todos os meus irmãos e irmãs em Cristo que, por mais que cometam um ou outro erro teológico, continuam acreditando em cada tópico do Credo Apostólico. Embora derrapem em um ou outro equívoco teológico, ainda assim são meus irmãos. Que mais nos unamos pelo que temos de igual do que nos distanciemos pelo que nos diferencia. Nosso Deus é o mesmo, o de Abraão, Isaque e Jacó. Nossa cruz é a mesma, a do Calvário. Nossos pecados nos igualam. Nossa esperança é o mesmo céu. Jesus é o mesmo Jesus em todas as igrejas que não negociaram o evangelho, apesar de suas diferenças.

Não me venha falar da reforma do meu apartamento, por favor, pois ela tem me estressado e, sinceramente, às vezes acho que seria melhor que ela não tivesse acontecido. Mas falemos todos os dias sobre a reforma da Igreja, que começa pela reforma de nós mesmos. Pois essa, se não acontecer, nos conduzirá para longe dos ideais resgatados pela Reforma Protestante: os ideais do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari

Últimos artigos

Meditações

Tu me amas?

O amor, demonstrado por Cristo, que gera arrependimento. O amor que soluciona nossos problemas.